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Teoria de sistemas? O que é e qual a importância disso?

Atualizado: 23 de jan.


Ludwig Von Bertalanffy
Ludwig Von Bertalanffy

Teoria de sistemas, posso indecorosamente resumir, trata-se da percepção hoje em dia mais comum de que existam sistemas congruentes que surjam da união de objetos individuais. Esse sistemas são reflexo das relações desses objetos, objetos cotidianos que podemos observar, ou até mesmo que façamos parte, mas os sistemas em si não são diretamente observáveis. Talvez fique muito mais claro dizendo que você é um indivíduo, que como tal, configura-se como objeto observável. Posso vê-lo, e você tem suas razões interações próprias que geram suas ações. Entretanto milhões de seres como você geram uma coisa nova, emerge um sistema, esse sistema é a sociedade.


A sociedade pode também ser estudada como objeto, embora ela não seja tangível. Onde começa ou termina a sociedade? Onde está a sociedade? Trata-se de uma emergência da multiplicidade de elementos individuais que dão origem à sociedade, constituem ela, embora nenhum dos indivíduos tem a visão sobre ela, nem sequer controle sobre esse fenômeno. Até aí é bastante comum que as pessoas compreendam o conceito de sistema, mas o ponto de virada é a seguinte consideração: os próprios indivíduos são sistemas, compostos por sistemas interiores, os órgãos, que são estes mesmos também sistemas, compostos por sistemas interiores de células, e assim por diante, tanto pra cima, quanto pra baixo.


Essa concepção parece bastante intuitiva a primeira vista, e de fato, como veremos, aparece na história do pensamento ocidental de maneira rudimentar em escritos tão antigos quanto as obras de Aristóteles. Mas essa suposta simplificação oculta questões extremamente profundas, que atualmente, se relacionam com as fronteiras das ciências. Teoria da emergência é uma delas. Partindo da compreensão de que tudo possa, e talvez deva, ser compreendido como uma complexa teia de sistemas com leis próprias internas, não apenas paralelos mas também hierarquizados por complexidades -onde os sistemas mais simples estão dentro de sistemas mais complexos, ou seja, uma célula é um sistema mais simples do que você que é outro sistema - nos deparamos com a necessária compreensão também, das leis que regem as relações entre sistemas, assim como as razões pelas quais sistemas mais complexos emergem de sistemas mais simples. Aqui encontramos a teoria da emergência. Aspecto crucial para as pesquisas de física quântica, física nuclear, e até mesmo inteligência artificial (no desenvolvimento de um conceito chamado compressão de dados, mas por ora vamos deixar isso de lado).


Essa teoria fundamental para semiótica da cultura, assim como a biosemiótica, porque ambas são áreas que estudam fundamentalmente o relacionamento entre sistemas. A hipótese de estudo da semiótica está alugada e um fato por ora bem determinado, de que o relacionamento entre sistemas se dá por alguma comunicação, que se faz valer de informação. Comunicação é uma troca de elementos informativos organizados dentro de um código, ou seja, a regra de relação entre os alimentos. Já a informação, é o "algo" transportado, pode ser um sinal químico, pode ser um sinal audiovisual ou tátil, mas é algo que se transporta e causar mudanças. Vou deixar essa questão de lado neste momento para não exceder o escopo.


General Systems, uma obra completa que compreende os assuntos sintetizados no artigo desse post.
General Systems, uma obra completa que compreende os assuntos sintetizados no artigo desse post.

A noção de sistemas, para von Bertalanffy, não é um modismo técnico, mas uma ideia profundamente enraizada na história do pensamento ocidental. Desde os pré-socráticos, a busca por uma ordem inteligível no caos sensível configurou o início da filosofia e da ciência, culminando no princípio aristotélico de que "o todo é mais do que a soma de suas partes". Essa máxima, negligenciada pelo mecanicismo cartesiano e sua redução analítica, ressurgiu nas críticas ao paradigma clássico, que falhava ao lidar com fenômenos multivariáveis e relações sistêmicas. Resolvi organizar um texto fundamental de seu pensamento, base das teorias de sistemas, traduzí-lo e comentá-lo, e assim segue. Trata-se do texto:


The History and Status of General Systems Theory

Author(s): Ludwig Von Bertalanffy

Source: The Academy of Management Journal, Vol. 15, No. 4, General Systems Theory

(Dec., 1972), pp. 407-426



Pode-se dizer que a noção de sistema é tão antiga como a filosofia europeia


Von Bertalanffy traça paralelos históricos a partir de Aristóteles, passa pela "hierarquia de mônadas" de Leibniz até a "coincidência dos opostos" de Nicolau de Cusa, revelando a recorrência da ideia de sistemas como unidades organizadas, cuja totalidade transcende os elementos isolados. No entanto, a ciência moderna, moldada pela divisão cartesiana e pela causalidade linear, mostrou-se inadequada para lidar com problemas de organização e comportamento teleológico, especialmente nos níveis biológico, psicológico e social. Teleológico aqui no sentido de que os objetos individuais aos quais podemos observar através dos nossos sentidos, estejam todos conectados, e sigam estritamente, regras que muitas vezes provém do sistema superior a eles, e não deles próprios.


Essa interdependência de sistemas tanto superiores quanto inferiores é fundamental. Você enquanto indivíduo e objeto, é influenciado tanto pela fisiologia na relação entre os órgãos que te compõem, quanto pelas regras sociais, que igualmente te compõem, embora vindas de cima. Ele diz:


Se tentarmos definir o motivo central do nascimento do pensamento filosófico-científico com os pré-socráticos jônicos do século VI a.C., uma forma de o explicar seria a seguinte. O homem da cultura primitiva, e mesmo os primitivos de hoje, sentem-se “lançados” num mundo hostil, governado por forças demoníacas caóticas e incompreensíveis que, na melhor das hipóteses, podem ser propiciadas ou influenciadas por meio de práticas mágicas. A filosofia e a sua descendente, a ciência, nasceram quando os primeiros gregos aprenderam a considerar ou a encontrar, no mundo experienciado, uma ordem ou cosmos que fosse inteligível e, portanto, controlável pelo pensamento e pela ação racional. Uma formulação desta ordem cósmica foi a visão de mundo aristotélica com as suas noções holísticas e teleológicas. A afirmação de Aristóteles, “O todo é mais do que a soma de suas partes”, é uma definição do problema básico do sistema que ainda é válido. A teleologia aristotélica foi eliminada no desenvolvimento posterior da ciência ocidental, mas os problemas nela contidos, tais como a ordem e a orientação para objetivos dos sistemas vivos, foram negados e contornados em vez de resolvidos. Portanto, o sistema básico ainda não está obsoleto.  Se falamos de ordem hierárquica, usamos um termo introduzido pelo místico cristão Dionísio, o Areopagita, embora ele estivesse falando sobre os coros de anjos e o organismo da Igreja. Nicolau de Cusa esse profundo pensador do século XV, ligando o misticismo medieval aos primeiros primórdios da ciência moderna, introduziu a noção de coincidentia oppositorum, a oposição ou, mesmo, luta entre as partes dentro de um todo que, no entanto, forma uma unidade de ordem superior. 


É nesse contexto que a Teoria Geral dos Sistemas (TGS) emerge como uma resposta interdisciplinar. Desenvolvida inicialmente por von Bertalanffy na década de 1930, a TGS propõe uma lógica matemática que busca princípios universais aplicáveis a qualquer sistema. Ao contrário do mecanicismo, a TGS integra as interações entre partes e relações sistêmicas, respondendo às limitações da ciência convencional e abrindo espaço para abordagens mais holísticas.


Ainda, os paralelos com sistematizações conceituais que consideravam Sistemas, como elementos identificáveis e relacionáveis, segue aparecendo ao longo da história do pensamento ocidental, e toma formas novas com o Iluminismo, seja pelo racionalismo de Leibniz ou a Dialética de Hegel, assim como sua versão alterada por Marx. Lemos que:


A hierarquia de mônadas de Leibniz se parece bastante com a dos sistemas modernos; a sua mathesis universalis pressagia uma matemática expandida que não se limita a expressões quantitativas ou numéricas e é capaz de formalizar todo o pensamento conceptual. Hegel e Marx enfatizaram a estrutura dialética do pensamento e do universo que ela produz: a profunda compreensão de que nenhuma proposição pode esgotar a realidade, mas apenas aproximar-se de sua coincidência de opostos pelo processo dialético de tese, antítese e síntese. 


Mas sua forma mais contemporânea é alcançada no começo do século XX, em uma formalização que ainda segue, em grande medida, indisputada. Trata-se de estudar sistemas como entidades que emergem para além dos elementos individuais que observamos.


Gustav Fechner, conhecido como o autor da lei psicofísica, elaborou, à maneira dos filósofos da natureza do século XIX, organizações supra individuais de ordem superior aos objetos habituais de observação; por exemplo, as comunidades de vida e toda a Terra, antecipando assim romanticamente os ecossistemas da linguagem moderna. Aliás, o presente escritor escreveu uma tese de doutoramento sobre este tema em 1925. 


Devemos enfatizar fortemente que a ordem ou organização de um todo ou sistema, transcendendo as suas partes quando estas são consideradas isoladamente, não é nada metafísico, nem uma superstição antropomórfica ou uma especulação filosófica; 

Essa lei, circunscrita pela teoria dos sistemas é um fato de observação encontrado sempre que olhamos para um organismo vivo, um grupo social ou mesmo um átomo. A ciência, porém, não estava bem preparada para lidar com esse problema. A segunda máxima do Discours de la Methode de Descartes era "dividir cada problema em tantos elementos simples separados quanto possível". Este, formulado de forma semelhante por Galileu como o método "resolutivo", foi o "paradigma conceitual” [35] da ciência desde sua fundação até o trabalho de laboratório moderno: isto é, resolver e reduzir fenômenos complexos em partes e processos elementares. 


Este método funcionou admiravelmente bem na medida em que os eventos observados podiam ser divididos em cadeias causais isoláveis, isto é, relações entre duas ou algumas variáveis. Mas aí está seu limite. Von Bertalanffy diz que este foi a raiz do enorme sucesso da física e da consequente tecnologia. Mas questões de problemas multivariáveis ​​sempre permaneceram. Mas então, de acordo com Descartes, a “máquina” tinha Deus como seu criador. A evolução das máquinas por meio de eventos aleatórios parece bastante contraditória. Deveria ter um objetivo, E a existência desse objetivo faz com que a teoria do sistemas não pudesse vigorar. Ela rompe com a lógica criacionista necessariamente.


Assim, as correntes neovitalistas, representadas por Driesch, Bergson e outros, apareceram por volta da virada do século atual, apresentando argumentos bastante legítimos que se baseavam essencialmente nos limites das regulações possíveis numa “máquina”, na evolução por eventos aleatórios e na orientação da ação para um objetivo. Esses são pensamentos que inauguram uma crise no cartesianismo, que põe termo nesse pensamento, fazendo com que ele não caiba mais nas concepções científicas atuais.


Assim, a “luta pelo conceito de organismo nas primeiras décadas do século XX”, como bem disse Woodger, indicava dúvidas crescentes em relação ao “paradigma” da ciência clássica, isto é, a explicação de fenômenos complexos em termos de elementos isoláveis. Faltavam técnicas matemáticas e os problemas exigiam uma nova epistemologia; toda a força da ciência "clássica" e o seu sucesso ao longo dos séculos militaram contra qualquer mudança no paradigma fundamental da causalidade unilateral e da resolução em unidades elementares. 


Esses problemas não se limitavam de forma alguma à biologia. A psicologia, na teoria da gestalt, de forma semelhante e ainda mais antiga, colocou a questão de que os todos psicológicos (por exemplo, gestalten percebidos) não podem ser resolvidos em unidades elementares, como sensações pontuais e excitações na retina. (...) Ao mesmo tempo, a sociologia chegou à conclusão de que as teorias fisicalistas, modeladas de acordo com o paradigma newtoniano ou semelhante, eram insatisfatórias. (...) Dado que o carácter fundamental do ser vivo é a sua organização, a investigação habitual das partes e processos individuais não pode fornecer uma explicação completa dos fenômenos vitais. (...) A máxima aristotélica de que o todo é mais do que suas partes, foi negligenciada pela concepção mecanicista, por um lado, e levou a uma demonologia vitalista, por outro


As propriedades e modos de ação dos níveis superiores não são explicáveis ​​pela soma das propriedades e modos de ação de seus componentes tomados isoladamente, ele diz. Isso significa que para compreender um todo organizado, devemos conhecer tanto as partes como as relações entre elas


Isso, no entanto, define o problema. Pois a ciência “normal” no sentido de Thomas Kuhn, isto é, a ciência tal como praticada convencionalmente, estava pouco adaptada para lidar com “relações” em sistemas. Paralelamente, ao longo do século XX, vale considerar que a sociologia foi declarada como essencialmente "uma ciência dos sistemas sociais"


Cibernética


Aqui, na íntegra, e fatiado. A partir do desenvolvimento de mísseis autodirigidos, da automação e da tecnologia informática, e inspirado no trabalho de Norbert Wiener (criador da cibernética junto com Shannon e Alan Turin), o movimento cibernético tornou-se cada vez mais influente. Embora o ponto de partida (tecnologia versus ciência básica, especialmente biologia) e o modelo básico (circuito de feedback versus sistema dinâmico de interações) fossem diferentes, houve uma comunidade de interesse em problemas de organização e comportamento teleológico. 


A cibernética e as abordagens relacionadas foram desenvolvimentos independentes que mostraram muitos paralelismos com a teoria geral dos sistemas. O segundo domínio da teoria geral dos sistemas é a tecnologia de sistemas, ou seja, os problemas que surgem na tecnologia e na sociedade moderna, incluindo "hardware" (tecnologia de controle, automação, informatização etc.) e "software" (aplicação de conceitos de sistema e teoria em problemas sociais, ecológicos, econômicos, etc.). 


A tecnologia e a sociedade modernas tornaram-se tão complexas que os ramos tradicionais da tecnologia já não são suficientes; abordagens de natureza holística ou sistêmica, e generalista e interdisciplinar, tornaram-se necessárias.


Epistemologia e Semiótica


Na íntegra: A percepção não é um reflexo de "coisas reais", e o conhecimento não é uma simples aproximação à "verdade" ou "realidade". É uma interação entre conhecedores e conhecidos e, portanto, dependente de uma multiplicidade de fatores de natureza biológica, psicológica, cultural e linguística. Assim reencontramos a Semiótica, o mundo dos símbolos, valores, entidades sociais e culturas é algo muito "real".


Finalmente, vale sempre reforçar, em suas próprias palavras, que embora compreenda e enfatize o papel da matemática e da ciência pura e aplicada, Bertalanffy não vê que os aspectos humanísticos podem ser evitados, a menos que a teoria geral dos sistemas seja limitada a uma visão revertida e fracionária.



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